Publicado originalmente no site da revista Literatura, em 26 de setembro de 2017
Filosofia, Cultura e Literatura – Uma entrevista com Waldir
Pedro
As faculdades de Filosofia formam poucos profissionais e
muitos não se formam com a intenção de trabalhar em sala de aula. Professores
de outras disciplinas estão ministrando as aulas de Filosofia no Ensino Médio.
Por Ana Lucia Bomfim* | Foto: Arquivo pessoal | Adaptação
web Caroline Svitras
Em seu livro “Dinâmicas para aulas de Filosofia”, você
defende uma forma leve e literária para o aprendizado da Filosofia. Por outro
lado, a Filosofia carrega o estigma de ser uma matéria exclusivamente teórica.
Como conciliar a complexidade da disciplina com a necessidade de tornar esse
conhecimento prático?
O livro foi pensado para alunos do Ensino Médio, embora
esteja recebendo muitos retornos de outros segmentos, inclusive da Educação de
Adultos. Quando comecei a trabalhar nos textos, meu objetivo era sensibilizar
os jovens para a importância da Filosofia.
Estamos falando de uma matéria que dificilmente reprova e,
para o senso comum, tem o estigma de não servir para nada. Então, como
despertar o gosto para que o jovem se sinta atraído pelo pensamento filosófico?
O professor de qualquer disciplina tem de ter a noção de
quando passar para a próxima etapa. Se você ensina violão, por exemplo, sabe
quando o seu aluno pode passar para outro ritmo e a hora de aprofundar o
estudo.
O professor de Filosofia por ficar muito na pesquisa, às
vezes tem dificuldade de passar o conhecimento filosófico, achando que está
descendo o nível da pesquisa. Precisamos entender que o aluno do Ensino Médio
não pediu aulas de Filosofia. Nós lutamos para introduzir no currículo essa
disciplina e, agora, temos a obrigação de dizer a eles por que as aulas de
Filosofia têm importância. O primeiro passo é deixá-los encantados com as possibilidades
que o pensamento crítico traz para suas vidas.
Quando o aluno estiver encantado, fica mais fácil o mestre
ir conduzindo aos textos ditos mais densos, mas isso deve se dar passo a passo,
e o professor deve analisar o momento certo.
Dado o deficit educacional e cultural que assistimos
sistematicamente durante os anos, como seria a forma ideal de inserir a
Filosofia na vida dos alunos, já que afirma que ela voltou de forma tímida após
a ditadura?
Esse déficit educacional faz com que o professor de
Filosofia trabalhe mais a interdisciplinaridade para o êxito de suas aulas. A
começar por trabalhar com o professor de Português para despertar no jovem o
gosto pela leitura. Junto a isso, o professor de Filosofia tem a obrigação de
fazer com os alunos a crítica ao próprio sistema de ensino e mostrar a eles a
quem interessa um nível tão baixo da educação e que eles são os principais
prejudicados por essa situação.
Quando digo que ela voltou de forma tímida, não é uma
crítica aos atuais professores, apenas para pensarmos juntos os motivos que
lutamos tanto para a volta da Filosofia aos bancos escolares. Com certeza, não
foi para passar a teoria, mas para dar ao ensino brasileiro um espaço para o
pensar. O que proponho, com isso, não seria ensinar Filosofia, mas dar um
espaço para filosofar. Fazer o aluno parar e ter um momento interno para
reflexão.
Como você vê o ensino da Filosofia nas escolas atualmente?
As faculdades de Filosofia formam poucos profissionais e
muitos não se formam com a intenção de trabalhar em sala de aula. Professores
de outras disciplinas estão ministrando as aulas de Filosofia no Ensino Médio.
Quando isso acontece, a tendência é trabalhar mais a história da Filosofia e
alguns conceitos do que propriamente dar elementos aos estudantes para formação
do espírito crítico. Por enquanto, não consigo ler nenhuma matéria nos jornais
de escola afastando professores de Filosofia ou tentando tirar a disciplina do
currículo. Deve ser porque ela ainda não está incomodando ninguém. A Filosofia
tem de transgredir, precisa tocar a ferida em tudo que acontece na nossa
sociedade. A reflexão dos pensadores se materializa quando participamos do
nosso momento histórico. O professor de Filosofia deve fomentar esse lado
transgressor do jovem. Temas atuais como o chamado “kit gay”, mensalão,
corrupção, coisa pública, papel do jovem, drogas são temas que podem acompanhar
facilmente com o pensamento filosófico. O jornal pode ser o melhor livro
didático em sala de aula.
A sua proposta sobre o uso da Filosofia prática nem sempre
coincide com a visão acadêmica de grandes universidades. A formação dos
filósofos e professores, aqueles que vão ministrar a disciplina, a seu ver, é
condizente com o que propõe para o ensino da Filosofia?
Não proponho uma Filosofia prática, mas sim práticas para
filosofar. Em meu novo livro “Dinâmicas para aulas de Filosofia”, faço algumas
sugestões de atividades para que o professor comece a entrar no tema. Quando
estamos no dia a dia da sala de aula, a prática exige que nos afastemos um
pouco do modo acadêmico de pensar as aulas, pois meu público é outro. Não estou
ministrando aulas para pessoas que estão interessadas no assunto e tem a
disposição de entrar nesse mundo das ideias. Meu público é outro. A visão
acadêmica fica bem dentro da academia. Quando se está diante de uma sala de
aula com 40 jovens à sua frente, a melhor referência é o apresentador Chacrinha
que nos ensina que, para transmitir algo, precisamos primeiro saber como se
comunicar.
Você analisa as diferenças entre o que é ser erudito,
intelectual e sábio. Poderia destacá-las?
Não precisa de muita definição para brincarmos com esses
conceitos, basta olharmos ao nosso redor que tudo fica muito evidenciado.
Grandes ditadores estão sempre acompanhados por pessoas eruditas, tem o poder
judiciário em suas mãos. Muitos assassinatos na humanidade foram respaldados
por grandes intelectuais. A inteligência não é garantia nenhuma para um caminho
seguro. Grandes partidos políticos fazem atrocidades e têm ao seu redor um
leque vastíssimo de intelectuais. A sapiência é um dom maior. O mestre sabe
apurar as informações e transformá-las em vivência, tem o dom da sensatez.
Você diz também que a Filosofia pode servir de guia para a
transformação interior e sugere que o “conhece-te a ti mesmo”, proferido a
Sócrates, é uma síntese da existência da Filosofia. De que forma esse
conhecimento pode, efetivamente, ajudar na busca por uma vida menos angustiada?
Vou citar um exemplo usado por alguns existencialistas. No
deserto, para espantar os lobos, os homens batem panelas. Na vida, para afastar
o encontro pessoal, costumamos bater panelas também. O filósofo Julián Marías
nos falava que o homem vive à procura do que fazer. Esse que fazer dá o sentido
a vida, que concretiza a nossa existência à medida que vamos nos fazendo.
Quando não trabalhamos bem nosso interior, somos um alvo fácil às artimanhas do
mundo exterior.
Note as angústias das pessoas que se embrenharam no mundo
das celebridades sem um mínimo de conteúdo ou as pessoas que montam sua vida em
cima de um belo corpo ou na beleza fútil. Quando a fama passa ou o tempo leva
algo conseguido de modo fácil, muitas celebridades não não têm estrutura para
suportar. Trabalhar o interior não elimina muitas das angústias do homem
moderno, mas ajuda a perceber que, para se chegar a um local, não existe apenas
um ou dois caminhos, mas uma infinidade de possibilidades.
Qual a importância de se ensinar Filosofia para crianças? Há
uma necessidade de tornar a matéria mais simples para que os alunos aprendam
naturalmente? Como a Filosofia pode interferir mais na formação da criança?
Existe um projeto de Filosofia com crianças. Creio que
podemos aproveitar as diversas fases da pessoa e tirar das características de
cada idade como melhor fazermos a reflexão filosófica. A criança tem o que a
Filosofia mais precisa: o espírito da curiosidade, saber os porquês da vida.
Assim, mais que ensinar Filosofia para criança é prolongar esse espírito
crítico que vai se apagando com o tempo. Já com os jovens, podemos agregar o
mesmo espírito transgressor que existe na juventude e que é uma característica
também da Filosofia.
Revista Conhecimento Prático – Literatura Ed. 66
Adaptado do texto “Filosofia, Cultura e Literatura – Uma
entrevista com Waldir Pedro”
Texto e imagens reproduzidos do site: literatura.uol.com.br
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