Yuri Sardenberg e Aninha Monteiro/VIP.
Publicado originalmente no site da revista VIP, em 23 out 2017.
Letícia Lima, uma mulher de pegada
A atriz conta que não tem pudor na hora de interpretar e
fala pela primeira vez sobre seu relacionamento com a cantora Ana Carolina
Por Cláudia de Castro Lima
Letícia Lima, sucesso na internet e na televisão, bateu um
papo bem sincero com a VIP em fevereiro.
Teve coragem de falar, pela primeira vez, em público de sua
sexualidade. Ela demorou três anos para se sentir confortável para tocar no
assunto. Veja abaixo a entrevista:
Eu não sei parar de te olhar
Letícia Lima não quer militar. Não pretende levantar
bandeiras. Tampouco está a fim de brigar. Não que ela seja contra isso. Apenas
acha que entrar em uma guerra para defender seu direito de ficar em paz soa
contraditório.
A atriz de 32 anos está sentada a uma pequena mesa, com um
prato de tartar de atum à frente, falando serenamente — e pela primeira vez em
público — sobre sua relação com a cantora Ana Carolina. “Meu coração está muito
bem alimentado, assim como eu vou ficar agora, obrigada”, ela brinca.
Usando um body preto semitransparente e enrolada da cintura
para baixo em um roupão, ela acabou de fazer as fotos que você vê neste ensaio.
“Estou bem feliz. É meu primeiro relacionamento com mulher. Para mim, é tão
normal, tão natural que não tem nem o que falar sobre isso. Me senti atraída e
só não hesitei, não fiz nada, deixei acontecer. Não teve uma grande questão.
Foi a primeira vez que me senti atraída por uma mulher. No fim, você se
apaixona pela pessoa, não pelo gênero. E foi das descobertas mais incríveis.
Acho que, quanto mais naturalmente a gente age, mais aquilo é normal. Não
preciso afrontar.”
Os boatos de que a atriz e a cantora estariam juntas
começaram a ganhar força no Carnaval do ano passado, depois de elas terem sido
flagradas dando um selinho em um camarote na Sapucaí. Continuaram aumentando ao
longo do ano a cada vez que elas eram fotografadas no aeroporto, caminhando de
mãos dadas, em shows ou eventos.
Reservada, Letícia nunca comentou o assunto. “A gente nunca
falou sobre nosso relacionamento, mas também nunca evitou. Estamos sempre no
aeroporto, nos lugares públicos. Precisa falar o quê? Sobre algo que é natural?
Não havia necessidade.”
As duas namoram há três anos, e, se Letícia achou que agora
era um bom momento para trazer o assunto à tona, não foi apenas porque o
relacionamento entre as duas está mais maduro. Foi também por causa do
preconceito muitas vezes velado que ela vem notando.
“Estou até numa posição favorável, porque sou artista:
artista é excêntrico, logo, artista pode tudo. Se eu, que sou artista, já sofro
preconceito, fico pensando: e quem não é? Incrível que no meu meio tenha tanto
preconceito. Fiquei chocada. Teoricamente é para ser mais liberal, mas não é
assim, não. Acho que as pessoas não estão abertas o suficiente. Até de repente
elas têm isso no discurso, mas na hora do vamos ver, da prática, te olham meio
esquisito. A gente percebe o incômodo”, diz.
“Isso que me faz falar. Acho bacana para dar força a quem
passa pela mesma situação, que está só vivendo sua vida, está amando. E daí a
maneira que você vai amar? Você não está prejudicando ninguém. Está só fazendo
bem para outra pessoa, no máximo é isso que acontece.”
Letícia Reis de Lima nasceu na cidade fluminense de Três
Rios, bem perto da fronteira com Minas Gerais. Logo criança percebeu sua veia
cômica e o talento para interpretar, mas foi uma tragédia que a fez desenvolvê-los.
“Perdi um irmão muito nova. Eu tinha 5 anos, ele, 7. Ele teve um problema de
saúde e o perdemos. Foi um supertrauma, muito difícil. Nesse período eu sentia
a necessidade de entreter minha família. Acho que eu já tinha esse negócio do
humor, porque senão eu não conseguiria desenvolver. Foi o jeito que eu,
criança, arrumei para lidar com isso. E realmente passei a entreter minha
família, a ser a criança divertida e tal.”
Aos 9 anos, entrou no teatro e fez peças amadoras na região
onde morava. Começou a trabalhar aos 14 para levantar algum dinheiro, animando
festas infantis. Aos 18, resolveu ir sozinha para o Rio de Janeiro estudar
cinema, mas já com a intenção de seguir o caminho da dramaturgia.
Depois de formada, Letícia foi trabalhar em canais a cabo
como diretora de arte. Ao mesmo tempo, resolveu embarcar em um projeto com o
então namorado Ian SBF, que conheceu na faculdade: um canal no YouTube de humor
e ficção, o Anões em Chamas. “Não sabia nada de internet. Inventamos o quadro
chamado Programa da Amanda e eu só pensava em expor meu trabalho, para
exercitar e para mandar os links para produtores de elenco. Era um canal em que
acontecia muita coisa e tinha orgulho de estar ali, fazendo algo inovador”,
conta.
O canal foi um sucesso, o Programa da Amanda também.
Começaram a surgir várias propostas de revistas – inclusive da VIP, que a
fotografou para uma matéria.
“A Amanda tinha um apelo, uma coisa sexy. A ‘homarada’
amava. E era um programa superfeminista na verdade, porque ela era tão submissa
que chamava atenção para o machismo. Passei a ser reconhecida na rua.”
Gregorio Duvivier, Fábio Porchat, Rafael Infante e Marcus
Majella eram alguns dos visionários que estavam com Letícia e Ian nos
primórdios do Anões. Depois, mais nomes juntaram-se ao grupo, que virou o
fenômeno Porta dos Fundos.
“Foi só no Porta que pude deixar de ser diretora de arte e
virar só atriz. Dali engatei.” Graças ao seu trabalho no canal, o autor de
novelas João Emanuel Carneiro e a diretora Amora Mautner a convidaram para
estrear na TV Globo, em A Regra do Jogo.
“Foi superincrível. Recebi um telefonema da Amora dizendo
que ela admirava muito meu trabalho e que tinha um papel para mim na nova
novela do João Emanuel. Pensei: ‘Caraca, deve ter um exagero nessa história.
Quando eu encontrei o João Emanuel ele disse que estava mesmo escrevendo um
papel para mim fazia seis meses, sem nem saber se eu ia para lá’.
Letícia foi. “Não dava para conciliar o trabalho com o Porta
e tinha uma questão contratual do programa com a Fox. Foi muito difícil tomar
essa decisão, fiquei angustiada de verdade, meio deprimida. Mas sabia que era
um passo importante na minha carreira.” O colunista Flávio Ricco afirmou no UOL
que a saída dela do humorístico causou mal-estar. À VIP, ninguém confirmou a
informação. João Vicente de Castro e Gregorio Duvivier, ex-colegas do programa,
não quiseram falar sobre ela.
Na novela, a atriz ganhou fãs do alto escalão da
dramaturgia. “Nos encontramos no camarim e acho sinceramente que foi amor à
primeira vista”, conta a veterana Susana Vieira. “Durante as gravações, a gente
ficou muito amiga, confidente. Ela é uma pessoa muito querida, muito doce e
muito talentosa, muito. E além disso acho que ela tem o cabelo mais bonito da
TV Globo. Que as outras me perdoem, mas é lindo e é dela!”
A Regra, Letícia viveu a funkeira Alisson e sua primeira
cena era de sexo, fazendo topless e usando uma calcinha fio dental. “Fiz numa
boa. Tenho pudor zero para trabalhar, não tenho vergonha de algumas partes, não
ligo mesmo. Mas eu mesma sou um pouco tímida no meu dia a dia. Prefiro me
manter mais reservada. Minha profissão já me expõe tanto…”
Depois do folhetim, outra prova de popularidade: foi chamada
para fazer a Dança dos Famosos, no Domingão do Faustão. “Eu já tinha muito
retorno do público por causa da internet. A televisão diversificou isso.”
Público, aliás, que Letícia diz só emanar coisas boas para
ela e Ana Carolina. “Sinto muito carinho da parte deles. Se você olhar as
minhas redes sociais vai ver. É isso que me dá esperança, sabe? Nossa, tem
salvação. Parece clichê, piegas e tal, mas que bom que o amor está vencendo,
seja da maneira que for. Tem que ter coragem, mas vale a pena.”
Embora não goste de dar detalhes de sua vida pessoal e não
confirme se está morando com a namorada, a atriz conta que adora seu apartamento,
em Botafogo, onde gosta de andar nua, cuidar do cãozinho Bruno, manter uma
horta, fazer trabalhos de marcenaria e preparar pratos “com um toquezinho
gourmet”, que misturam culinária italiana e mineira (“É tipo risoto de couve e
manteiga, risoto de torresmo”, ela explica diante de minha ignorância).
Também é superorganizada e tem uma gaveta de calcinhas
separadas por cores e setores (“Tem a do dia a dia, a fio dental, a
quero-ser-sexy-sem-ser-vulgar, a quero-ser-vulgar. Se não separar, embaralha
tudo e não sei o que tenho”).
É em casa que ela assiste às cenas que grava – e odeia
todas: “Se não odeio, consigo dizer: `Gostei, mas podia ter ficado melhor¿. É
um bom exercício, não quero eliminar isso da minha vida.”
Neste ano, Letícia estará em três longas nos cinemas. Este
mês estreia Ninguém Entra, Ninguém Sai, comédia em que ela é protagonista. Está
programado para junho o lançamento de Duas de Mim.
E tem ainda um filme independente que ela fez com direção de
Ian SBF, com quem ficou por oito anos. “Nossa parceria de trabalho é incrível.
Sempre que eu puder convidar um diretor para trabalhar comigo, quero
convidá-lo. Somos superamigos, foram muitos anos juntos, né? Também tem o
seguinte: não houve uma grande merda. A gente só não era mais um casal homem e
mulher”.
Letícia faz também a nova temporada de Vai Que Cola, do
Multishow, emissora que a convidou para ajudar a criar um programa com a
apresentadora Didi Wagner.
No fim do ano, o canal disponibiliza, só na internet, uma
websérie com a atriz. “Não me considero humorista. Sou uma atriz que faz humor.
Mas corro atrás de outros gêneros. Quero fazer teatro este ano, e não vai ser
humor”, diz. Mas sabe que sua imagem está ligada ao riso. E, sem se conter, faz
troça: “As pessoas já chegam até mim rindo. Ou elas se lembram de algum papel
que fiz ou estou cagada”.
Estilo: Fabrício Miranda e Fernando Batista
Beleza: Max Weber
Ensaio produzido no Hotel Emiliano.
Texto e imagens reproduzidos do site: vip.abril.com.br
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