segunda-feira, 18 de setembro de 2017

"A Lolita do romance é vítima do abuso cometido por seu padrasto"

Em 'Lolita', de Vladimir Nabokov, Dolores ("Lo", "Lolita") 
sofre um abuso de seu padrasto.
Foto: Divulgação.

Publicado originalmente no site da revista GALILEU, em 10/06/2016.

"A Lolita do romance é vítima do abuso cometido por seu padrasto"

Pesquisadora explica como livro de Vladimir Nabokov contribuiu para espalhar mitos sobre a sexualidade de meninas

Por Isabela Moreira* 


Lolita, ninfeta, novinha. Você provavelmente já ouviu uma dessas palavras sendo utilizadas para descrever meninas jovens. Segundo o dicionário, a ninfeta é uma "menina jovem ou adolescente cujo comportamento e pensamento estão direcionados para o sexo; menina que incita o desejo sexual".

De acordo com a pesquisadora americana Meenakshi Gigi Durham, da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, a crença descrita acima é apenas uma das várias que são espalhadas a respeito da sexualidade de meninas e adolescentes. No livro The Lolita Effect: The Media Sexualization of Young Girls and What We Can Do About It (Efeito Lolita: A Sexualização de Jovens Garotas e o que Podemos Fazer Sobre Isso, em tradução livre), publicado em 2008, Durham abordou tais mitos e como eles afetam as meninas.

Conversamos com a pesquisadora sobre a sexualização precoce, o Efeito Lolita e suas consequências, veja abaixo:

O que é o Efeito Lolita?

O Efeito Lolita se refere a uma série de mitos sobre a sexualidade das meninas que circula na mídia e na nossa cultura. A “Lolita” do título é uma referência clara ao romance famoso de Vladimir Nabokov em que uma menina de 12 anos se torna sexualmente envolvida com seu padrasto. No livro a menina é vista pelos olhos do predador como uma sedutora que está disposta a participar de atos sexuais, que é como predadores sempre vêem as vítimas infantis, e, claro, é um mito sobre o qual eles sonham a ponto de usá-lo para justificar suas ações. Mas claro que a criança nunca é a culpada. A Lolita no romance é, na verdade, a vítima do abuso cometido por seu padrasto. Existe muita conversa sobre garotas que usam roupas sensuais e se engajam em atividades sexuais desde muito novas, e o discurso tende a culpar as meninas por tudo isso. Mas elas simplesmente estão reagindo a um marketing e uma mídia agressivos que empurram na direção delas mitos de sexualização motivados em vez de ajudá-las a entender os próprios corpos e sexualidade em desenvolvimento de formas apropriadas e corretas.

Como podemos criar representações mais complexas de meninas na mídia?
Honestamente, é bem difícil, porque existem indústrias que dependem das aspirações das meninas a modelos nada realistas de beleza e desejabilidade para que elas gastem bastante dinheiro em produtos de beleza, dietas e por ai vai. A publicidade voltada para meninas novas é uma indústria multibilionária que entraria em colapso se as meninas tivessem uma imagem forte delas mesmas. Podemos tentar apoiar os tipos de mídias que oferecem uma gama de imagens e opções relacionadas a gênero e sexualidade. Mas é difícil encontrá-las.

Seu livro foi publicado há oito anos. O que mudou desde então?

Não muito, na minha opinião. Na verdade, a sexualização de garotas tornou-se algo visto como normal. E não estamos observando muito progresso no que diz respeito à saúde e segurança sexual. O número de crianças e adolescentes com distúrbios alimentares está aumentando, pelo menos nos Estados Unidos. Garotas adolescentes correm mais risco de sofrerem violência sexual do que qualquer outro grupo. Adolescentes registram altos índices de doenças sexualmente transmissíveis. Apesar de os índices de gravidez estarem caindo ao redor do mundo, nos Estados Unidos os índices são bem altos quando comparado a outros países industrializados. Não posso afirmar que estamos progredindo muito. Por outro lado, acredito que há mais conscientização em torno da agressão sexual e a necessidade de desafiarmos os padrões de gênero.

Você vê o feminismo como uma ferramenta importante na luta contra a sexualização precoce de meninas?

Eu sou feminista, então minha resposta é sim. O foco feminista em impedir que casos de violência sexual e doméstica, em desafiar os padrões tradicionais de gênero, na busca pela igualdade, em reconhecer as intersecções de raça, classe, gênero e orientação sexual… Esse tipo de ativismo coletivo é ótimo e está fazendo muito diferença. Claro, também é importante ressaltar que existem vários feminismos na sociedade contemporânea, e nem todos se alinham à forma que abordo essas questões. Mas é bom trabalhar nas nossas diferenças e alcançar clareza sobre como melhor apoiar e empoderar mulheres e meninas.

Leia mais sobre o assunto na edição de junho (#299) da GALILEU.

*Com edição de Cristine Kist

Texto e imagem reproduzidos do site: revistagalileu.globo.com

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