Conversas Paralelas.
Por Patrícia Dantas Romero
Observe. Neste momento alguém a sua volta deve estar usando
um celular. Os aparelhos de 3ª geração (3G), que utilizam sistemas como o
Symbian, Windows Mobile, iOS e Android, invadiram a ”nossa praia”, leia-se a
“nossa sociedade”. Com a possibilidade de acesso à internet pelo celular,
saltamos do uso comedido para a mania. Cenas diárias de interação do homem com
o “amigo inseparável” pipocam na capital, causando irritação àqueles que tentam
travar um diálogo convencional. São as conversas paralelas, que agora, através
dos celulares, se tornam rivais cada vez mais poderosas.
Tereza Cristina Maynard, bióloga, especialista em Saúde
Pública, recepciona bem a tecnologia, mas alerta que ela possibilita novas
formas de relacionamentos, ao tempo em que restringe as formas tradicionais de
interação social. Sem falar que “a dependência pelas redes sociais é hoje uma
realidade com impactos impossíveis de ignorar”, diz. Estamos encantados com o
“mundo” à mão, tal qual Narciso diante da própria imagem refletida no lago de
Eco, enquanto “outros”, de carne e osso, solicitam a nossa atenção.
Fernando Silva, empresário no segmento de tintas e afins,
experimentou o gosto amargo de ficar “só” durante um jantar de
confraternização. “A minha empresa levou um grupo de profissionais para jantar.
Findada a refeição, supunha que todos entrariam num animado papo, mas aí o que
acontece? Todos, sem exceção, sacam os seus smartphones, esquecendo-se
completamente de que aquele era um jantar de confraternização. Alguns passaram
mais de 10 min. totalmente antenados com eles próprios. Fiquei chocado com
tanta desatenção para com o próximo”, desabafa.
E você, já experimentou uma situação similar? Alguém já te
deixou “falando sozinho”? Já foi vítima dessas conversas “virtuais” paralelas?
Tereza Cristina também sentiu na pele a sensação de estar sozinha, mesmo que acompanhada.
“Certas ocasiões encontrava-me em festas, onde quase todas as pessoas da mesa
utilizavam o celular. Eu me senti numa espécie de “estágio de isolamento
social”. Estamos numa mesa com amigos e de repente todos usam o celular! O
diálogo entre nós desapareceu? Estamos conversando virtualmente com os
distantes e mudos com os mais próximos? Não aprecio!”, confessa.
Para Fernando Silva, não há como negar os benefícios da
tecnologia, mas devemos manter a sensibilidade de utilizá-los nos momentos
certos, sem passar por cima dos valores morais e da educação. Há uma corrente
filosófica que diz exatamente isso: “quanto mais complexa a tecnologia, maior
deve ser o braço da ética”. A filha de Fernando, Rafaella Dantas Silva,
administradora de empresas, concorda com a opinião paterna, mas confessa que
usa bastante o celular, como a maioria das pessoas da sua geração. “Não sou tão
educada, às vezes utilizo o celular, mesmo que haja alguém ao meu lado. Meu
namorado sempre reclama, pois tem aversão ao uso abusivo do aparelho, quando na
companhia de pessoas”, declara.
Os “telefones inteligentes” são, de fato, irresistíveis.
Como explica Rafaella, “emails circulam em tempo real, decisões são tomadas de
forma mais prática, numa altíssima velocidade de tempo, a qualquer distância do
mundo e os chats nos dão a possibilidade de encontrar amigos pessoais, ou
contatos profissionais para tratar de assuntos pertinentes”. As mil
possibilidades de ação através do celular dá ao homem a sensação de poder e
controle da vida. O ganhador do prêmio Nobel da Paz, o indiano Muhammad Yunus
foi mais longe: “A tecnologia dá poder as pessoas”. Justamente por isso fascina
tanto.
Só para ilustrar o tamanho do poder de um celular, Pollyana
Ferrrari, professora de jornalismo da PUC/SP, reconta em seu livro a “A Força
da Mídia Social” a noite de 13/06/2009 em Teerã, quando um internauta descreve
para o mundo pelo celular, através do Twitter, o início da rebelião batizada de
2.0. Enquanto os jornais, TVs e rádios sofriam a censura estatal, 45 milhões de
celulares daquele país mostraram ao mundo uma das mais significativas
manifestações políticas do Irã.
Portanto, é difícil não se sentir o “todo poderoso” com um
brinquedinho desses nas mãos. Acesso à internet por Wi-Fi e banda larga, vídeos
conferências em tempo real, chats, redes sociais, câmeras de até 12 Mpx, jogos
em 3D e TV’s com até 5.5' polegadas, tudo embalado em belos objetos portáteis.
Aí estão os valores básicos da tecnologia: eficiência e economia, aliados à
estética. Mas será que é só isso? Em se tratando de tecnologia, a questão mais
polêmica, sobre a qual se debruça a psicologia e a filosofia, não está
relacionada à máquina e o que ela pode fazer, mas sim com a significação dela
para existência humana.
Albert Borgmann, filósofo alemão contemporâneo, diz que o
apelo tecnológico é tão forte, que a maioria das pessoas é incapaz de recusar.
Esse “entorpecimento” do homem pela máquina torna a vida humana limitada, pois
as pessoas deixam de enxergar outras formas de se viver. Em sua obra “Tecnologia e do caráter da vida
contemporânea: uma interpretação filosófica”, Borgmann instiga: “Se duas horas
de TV por dia entram em nossas vidas, outra coisa tem que sair. E o que saiu?
Contar histórias, ler, socializar com os amigos ou apenas dar um passeio para
ver o que está acontecendo no bairro”.
Jorge Alvarez,
Engenheiro Mecânico e de Segurança do Trabalho, tem se questionado sobre esse
“entorpecimento pela tecnologia” de que fala Borgmann. “Não existe mais aquela
amizade de você passar na casa do amigo para ver como ele está, basta uma
mensagem no facebook e pronto. Onde fica o verdadeiro significado da amizade,
aquele calor humano que tínhamos antes dessa era das redes sociais, onde as
pessoas possuem milhões de amigos, quando na verdade muitos são totais
desconhecidos?”, questiona.
Uma das cenas hilárias testemunhadas por Jorge aconteceu à
noite, num bar da cidade. “Estava na balada e observei um cara tentando
conhecer uma menina. A cada instante ela interrompia o rapaz para mexer no
celular. Lá pelas tantas o cara se irritou, deixou a menina sozinha e saiu
resmungando”. Segundo Jorge, a situação é preocupante, pois não há como
preferir à rede social a uma boa conversa com amigos, ou até desconhecidos que
querem ampliar o rol de amizades reais. “Eu chamaria isso de uma inclusão no
mundo virtual e uma exclusão do mundo real”, finaliza.
E qual a solução para aproveitar o lado bom dos avanços
tecnológicos, sem nos esquecer dos valores antigos? “Acredito que o segredo
está na moderação. Chamo sempre a atenção dos meus filhos para que não se
isolem do convívio social real’”, diz Tereza Cristina Maynard. Os jovens
descobriram uma forma lúdica para se chegar a um meio-termo e quem nos conta
sobre a brincadeira é Rafaella Silva: “A última moda é colocarmos os aparelhos
empilhados na mesa do bar. Quem pegar primeiro, paga a conta toda. Essa é uma
maneira de gerar interação pessoal e esquecer-se um pouco o mundo virtual”,
comenta.
EDUCAÇÃO É A SOLUÇÃO
Quando o professor francês Gérard Boyer se aposentou, em
2001, os celulares não tinham invadido as escolas. De lá para cá a realidade é
outra. É comum observarmos crianças do ensino fundamental utilizando celulares.
Durante a elaboração dessa matéria, também observei alunas adultas passarem
aulas inteiras com os celulares grudados às mãos, postando mensagens entre um
exercício e outro, num curso de idioma. Para Gérard, esses “fenômenos de
isolamento” dentro de uma comunicação virtual vão acontecer cada vez mais.
“O mundo virtual é o chamado Matrix. Esta é a nova forma de
interação com o mundo exterior. Mas o mundo é muito mais do que um eco de si
mesmo”, nos conta Gérard. Então não adianta ficarmos como Narciso, debruçados
sobre a tela do celular, para criar vidas perfeitas, através de jogos, ou redes
sociais, massagear o ego, ou suprir carências. Ali não é o mundo, por mais
avançada que seja a tecnologia. E não se esqueçam, de tanto se olhar, fascinado
por si, Narciso mitológico afogou-se. E ele nem podia medir a sua popularidade.
Imaginem nós, com as redes sociais à nossa disposição!
Segundo o professor, hoje residente no Brasil, as
verdadeiras predadoras cruéis das crianças e adolescentes são as empresas
globalizadas e ultrapoderosas, que veiculam anúncios atraentes, de conteúdo
apelativo, em conformidade com a moda, para um público impotente de reação.
Além disso, educação se dá pelo exemplo. “Os educadores têm geralmente um ou
dois celulares. Como eles poderiam salvar as crianças de uma doença que eles
mesmos estão sofrendo?”, questiona.
Para Gérard Boyer, a solução está nas mãos dos pais,
professores, industriais, que são capazes de filtrarem os conteúdos negativos,
veiculados pelos meios tecnológicos. Televisão, sim, mas sob o controle. Jogos
eletrônicos e móveis, sim, mas sob o controle. Segundo o professor, há uma
frase de um autor francês do Renascimento, François Rabelais, que atravessou os
séculos e precisa ser lembrada nos dias de hoje: "Ciência sem consciência
é a ruína da alma".
Fotos e texto reproduzidos do blog: patriciadromero.blogspot
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